quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Briga de lobbies tumultua Câmara

Dois dos mais poderosos lobbies do país chocaram-se na última terça-feira, no plenário 8 da Câmara dos Deputados. Lá, reunia-se a Comissão de Defesa do Consumidor e discutia-se o projeto de lei 6.960/02. A proposta pôs, de um lado, os bancos; de outro, os cartórios. Em meio ao frenesi da disputa parlamentar, surgiu a notícia bombástica: um assessor da poderosa Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) teria oferecido, num volume pouco acima do recomendável, R$ 1,2 milhão Paulo Lima (PMDB-SP), tirá-la da pauta imediatamente.

“Eu ouvi as pessoas em volta falando isso”, confirmou à reportagem do Correio o deputado Celso Russomano (PP-SP), que, na ocasião, defendia veementemente a posição dos cartórios na disputa contra os bancos. Não ouvi diretamente, mas as pessoas ouviram e estavam falando na comissão”, explica-se, sem nominar “quem” ouviu e contou. A reunião estava apinhada de lobistas dos cartórios de assessores dos partidos.

Do lado dos bancos, o lobby era feito por uma dupla de diretores setoriais de Relações Institucionais da Febraban, Vasco de Azevedo e Alex Bonifácio. A “oferta” é creditada a Azevedo, que atua no Congresso desde 1991 e até aqui goza de excelente reputação. “Não tem nada disso, é mentira; quem está espalhando essa história é um cara que se diz jornalista, mas que faz lobby para os cartórios, um tal de Pancho, Ucho, uma coisa assim”.

“Foi com Fleury”

O jornalista a que Vasco Azevedo se refere é Ucho Haddad, editor de um blog na internet (http://ucho.info). Ele, de fato, estava na sessão da Comissão de Defesa do Consumidor naquele dia, de fato abordou o lobista da Febraban na saída da reunião e de fato acusou-o de oferecer dinheiro para os deputados agirem de acordo com os interesses do sistema financeiro. “Mas não estou espalhando nada, quem me disse isso foi um agente da Abin”, falou Haddad. Abin é a sigla da Agência Brasileira de Inteligência, onde trabalham os arapongas a serviço do governo.

O deputado Paulo Lima, a quem a “oferta” teria sido feita, nega a informação. “De jeito nenhum, eu cheguei à sessão, entrei no plenário, me sentei, li o relatório e fui embora. Não falei com ninguém da Febraban nem antes, nem durante, nem depois”, esquiva-se. “Se houve pressão, foi com o Fleury, não comigo”, diz, repassando o problema ao deputado Luiz Antônio Fleury (PTB-SP), presidente da comissão.

Celso Russomano afirma Azevedo cochichou com parlamentares durante o encaminhamento da votação. Por conta disso, chegou mesmo a fazer-lhe uma dura advertência ao microfone, precisamente ao meio dia da terça-feira. Na ocasião, Vasco de Azevedo entrara na bancada onde ficam os deputados para lançar mão de um artifício regimental – a luz que sinaliza o início de uma sessão da Câmara e portanto, impede a votação qualquer matéria nas comissões. Para tanto, recorreria ao deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), cuja posição em favor do sistema financeiro é reconhecida no Congresso.

Hauly confirma que Vasco Azevedo falou-lhe da luz indicativa de sessão da Câmara, o impediria qualquer votação por diante. Só o relator Paulo Lima tinha poderes para tirar o projeto de pauta. Àquela altura, se fosse a voto, seria aprovado qual os cartórios queriam, com voto solitário de Hauly contra. Como a luz acendeu, Fleury ouviu todos os oradores e terminou a discussão. A votação está marcada para o próximo dia 23.

ENTENDA O CASO – Guerra para trocar "ou" por "e"

A guerra na Comissão de Defesa do Consumidor envolve a mudança de uma palavra no parágrafo 1º do artigo 1.361 do Código Civil. Proposto pelo deputado pernambucano Ricardo Fiúza (PP), ele trata da burocracia no financiamento de veículos.

A atual redação do projeto é: “Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro”

A conjunção “ou” significa que o comprador do veículo pode escolher entre registrar o contrato de financiamento num cartório ou no Detran. Querem mudar a redação para “e”, obrigando o registro num e noutro.

A mudança é substantiva. Em termos de valores, pode significar receitas de R$ 1 bilhão para os cartórios de todo o país, segundo os bancos, pois o registro dos contratos custa em média R$ 120. Tal alteração encareceria os empréstimos e afugentaria os consumidores, daí a oposição do sistema financeiro.

Os cartórios argumentam afirmando que não mudar a lei significa dar aos bancos cerca de R$ 500 milhões por ano em taxas indevidas, pagas por todos que adquirem um automóvel financiado.

Segundo os cartórios, os bancos não fornecem os contratos de financiamento quando emprestam dinheiro para o cliente comprar um carro. E não o fazem porque precisam manter em branco os campos reservados à anotação do valor emprestado. Assim, em caso de inadimplência, preenchem-nos de forma a embutir ali custos legais e juros extorsivos, afirma o lobby cartorial.

Se, ao contrário, o registro em cartório for obrigatório, os bancos terão de preencher todos os campos do contrato no instante da assinatura. Sem isso, não é possível registrá-lo. A tese é a de que os consumidores estariam, assim, protegidos de supostas armadilhas do sistema financeiro.

PERSONAGEM DA NOTÍCIA – Relator autonomeado

Deputado no quarto mandato, Paulo Lima faz política em Presidente Prudente, interior de São Paulo. Está no PMDB, mas era do PFL até 1999. Sua família é proprietária da Universidade do Oeste Paulista. Em 2004, quando integrava a CPI dos Combustíveis, disse ter detalhes sobre suposto achaque de deputados a donos de postos de gasolina. Prometeu delatar todos dali a alguns dias, mas nunca mais falou no assunto.

No dia 15 de abril do ano passado, Lima pediu à mesa da Câmara que enviasse o projeto 6.960/02 à Comissão de Defesa do Consumidor, que presidia. Quando a matéria chegou, Lima nomeou-se relator. Apresentou, então, um primeiro parecer, no qual escreveu, sobre a mudança de “ou” para “e” no parágrafo 1º do artigo 1.361 do Código Civil:“Não há porque modificar-se tal procedimento, o que somente viria a criar fonte adicional de receita para os cartórios, sem benefícios para a coletividade.”

Meses depois, mudou radicalmente de idéia. Em um segundo relatório – que está em votação –, escreveu: “Tal custo adicional (o registro em cartório) não se afigura ponderável, em face do imenso benefício que tal providência trará ao funcionamento do mercado.”