quarta-feira, 14 de julho de 2004

O DOCUMENTO DE DÍVIDA E A LEI 9492, DE 10 DE SETEMBRO DE 1997 – Cláudio Marçal Freire

I – INTRODUÇÃO – A relevância do “Instituto do protesto” face à nova legislação

De início deve ser ressaltado, que o tema em discussão, a que fui honrado por nossa entidade para apresentação, sob nossa ótica, ganhou relevante importância diante da nova legislação, a Lei federal n.º 8.935, de 18 de novembro de 1994 e a de n.º 9.492, de 10 de setembro de 1997, decorrentes da Constituição de 1988, que em seu artigo 236, declarou o exercício em caráter privado por delegação do Poder Público, dos serviços notariais e de registros, remetendo em seu § 1.º, à lei, a regulação da atividade, a responsabilidade civil e criminal de seus prepostos e a fiscalização de seus atos ao Poder Judiciário.

I.I – Breve histórico sobre o surgimento da Lei n.º 9.492/97

Antes, porém, de entrarmos no tema, convém fazer-se um breve histórico a respeito do surgimento da da Lei 9492/97.

É preciso destacar o importante papel que teve o nosso Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil, na elaboração e aprovação da referida lei.

O nosso Instituto, acabava de assumir o compromisso com a Febraban – Federação dos Bancos Brasileiros, num congresso de cobrança bancária, no sentido de buscar a edição de uma norma legal que disciplinasse e uniformizasse o Protesto de títulos em todo País, quando foi surpreendido com um projeto de lei nesse sentido apresentado na Câmara Federal de iniciativa do Deputado André Benassi.

Constatou-se nas reuniões do Instituto, convocadas para discussão do referido projeto de lei, que o mesmo tinha sido baseado, na sua elaboração, exclusivamente, nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Haja vista que, o projeto que deu origem à referida lei, continha dispositivos que apenas se referiam à Capital de São Paulo e sequer eram destinados ao interior daquele Estado. Para exemplificar essa afirmação, havia no referido projeto de lei, um dispositivo que apenas se aplicava na Capital do Estado de São Paulo, o que determinava a que todos os Cartórios de Protesto da Capital fornecessem relação diária dos protestos lavrados e dos cancelamentos efetuados ao CDI – Cartório de Distribuição e Informação, oficializado, do Foro Judicial daquela Capital.

Após várias discussões de trabalho, com representantes dos mais diversos e importantes estados da Federação, procurando conciliar o referido projeto de lei com as normas legais existentes, as normas de serviço, provimentos, portarias, e as peculiaridades próprias regionais de cada Unidade da Federação, as formas de trabalho em cada uma delas, o nosso Instituto acabou por elaborar um substitutivo que foi acolhido pelo Deputado Régis de Oliveira, apresentado e aprovado na Câmara dos Deputados, em decisão terminativa da Comissão de Constituição e Justiça e Redação, tendo em seguida sido aprovado pelo Senado Federal sob a relatoria do Senador Esperidião Amin, sem qualquer questionamento, ao que depois seguiu à sanção presidencial com recomendações do Ministério da Justiça, face à oportunidade e relevância da matéria que dotava o País de uma legislação uniforme sobre o Protesto de títulos e de outros documentos de dívida, o qual foi sancionado sem vetos.

O referido projeto de lei, na forma do substitutivo apresentado, em toda tramitação no Congresso Nacional, sofreu apenas duas alterações, propostas por deputados membros da Comissão de Constituição e Justiça, a saber: a primeira que responsabiliza àquele que fornecer endereço incorreto para a intimação; a outra que ressalva os emolumentos ao estado onde as serventias de protesto já tinham sido oficializadas e assim continuaram face ao artigo 32 da Constituição Federal.

Feito este breve histórico a respeito da lei, antes de passarmos à discussão do tema, cabe-nos tecer ainda as seguintes considerações.

Não estamos diante de uma norma regulamentadora, exclusivamente, de serviços dos cartórios. Hoje temos uma lei de protesto, do direito positivo, válida em todo território nacional, que uniformiza os procedimentos necessários à execução dos serviços e à materialização do ato notarial do protesto, seu registro, impõe deveres e obrigações aos seus executores, os tabeliães, além do mais importante, estabelece, cria e resguarda os direitos dos usuários dos serviços.

A nova lei notarial do protesto de títulos e de outros documentos de dívidas, não foi editada voltada apenas para os interesses do universo interno dos tabelionatos, ou melhor, como se costuma dizer, do balcão para dentro. Foi sim, voltada também para o universo externo dessas serventias, gerando e conservando os direitos aos usuários e dos detentores dos títulos e dos documentos de dívidas, estabelecendo obrigações e deveres aos profissionais que laboram nessa área do direito notarial.

Requereria mais tempo do que temos destinado ao debate do tema de fundo para enumerarmos todos esses aspectos positivos da lei. Motivo porque me deterei a citar apenas direitos contidos na referida norma, destinados ao universo externo dos tabelionatos, ou seja, aos dos credores, detentores dos títulos e documentos de dívida e usuários dos serviços, os mais importantes, a saber:

a – O de poder protestar o título ou documento de dívida, para ter a prova pública, formal e solene da inadimplência e o descumprimento da obrigação do devedor (art. 1.º);

b – O de obter e gerar, com a publicidade inerente ao ato notarial do protesto lavrado e registrado, também o direito à publicidade dos seus créditos, que servirá às informações de controle creditício;

c – O de poder apresentar a protesto as indicações de duplicatas por meio magnético;

d – O de ter o protesto lavrado dentro do prazo legal de três dias;

e – O de poder desistir do protesto dentro do prazo legal para a tirada do ato notarial;

f – O de obter do tabelionato o valor devido em relação ao título pago pelo devedor logo no primeiro dia útil ao do pagamento;

g – O de requerer, a seu interesse e quando lhe convier, o cancelamento do protesto, quando receber o título protestado diretamente do devedor; e

h – além, da conservação dos direitos previstos nas leis relativas às cambiais, uniforme de genebra, duplicatas, falência, mercado de capitais, cheques, Código Civil, quais sejam, de constituir o devedor em mora, quando for o caso (art. 960 do C. Civil), executar o título ou requerer a quebra do devedor, etc, já conhecidos de todos que laboram na área ou em função dela.

II – NOÇÕES E CONCEITOS DO “INSTITUTO DO PROTESTO”:

II.I Existentes antes da Lei n.º 9.492/97:

Para melhor compreensão do nosso tema, merecem ser relembradas as noções e conceitos do “INSTITUTO DO PROTESTO” anteriores à edição da referida lei.

Relembrando algumas noções da doutrina a respeito desse Instituto, à data da edição da Lei do Protesto de Títulos, permitimo-nos citar algumas, que seguem:

Segundo a inexcedível conceituação de JOSÉ MARIA WHITACKER, é o protesto “o ato oficial pelo qual se prova a não realização da promessa contida na letra”.

Na conceituação de CARVALHO DE MENDONÇA “o protesto, para efeitos cambiais (protesto cambial), é a formalidade extrajudicial, mais solene, destinada a servir de prova da apresentação da letra de câmbio, no tempo devido, para o aceite ou para pagamento, não tendo o portador, apesar de sua diligência, obtido este ou aquele. Também é fundamental para efeito do estado falimentar, quando o título não contém aceite e se verifica demonstrada a entrega da mercadoria ou a prestação do respectivo serviço.”

Para JOÃO EUNÁPIO BORGES, é o “protesto” o ato oficial e solene por meio do qual se faz certa e se prova a falta ou recusa, total ou parcial, do aceite ou do pagamento de um título cambial. É, na síntese feliz de Whitacker, o ato oficial pelo qual se prova a não realização da promessa contida na letra”.

Para PONTES DE MIRANDA, “o protesto é a declaração solene e de caráter probatório.”

Por sua vez, também a definição de FRAN MARTINS, “o protesto é um ato solene destinado principalmente a comprovar a falta ou a recusa de aceite ou de pagamento da letra. É esse um ato de natureza cambial que não consta do próprio título”. (Títulos de Crédito, Ed. Forense, v.I, p.270).

VICENTE DE ABREU AMADEI, em tese apresentada no 1.º Simpósio Nacional de Serviços Notariais e Registrais realizado em São Paulo, de 11 a 13 de setembro de 1996, editada pela ANOREG-SP – Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo, inspirado nas definições de José Maria Whitaker, Waldemar Ferreira, Eunápio Borges, Carvalho Mendonça, Wilson de Souza Campos Batalha, Humberto Theodoro Junior, Domingos Franciulli Netto, Nelson Abrão, Cláudio Santos, Ary Brandão de Oliveira, Pontes de Miranda, Rubens Requião, Osvaldo R. Gómez Leo, a respeito do Instituto do Protesto, sintetizou as seguintes definições:

“Protesto é, portanto, ato que “prova”, “ato probatório”, “instrumento de prova”, instituto jurídico que tem por escopo de “servir de prova”, de “comprovar”, de “documentar”, de “testemunhar”, de “testemunhar em público, anunciar, asseverar”, ou, em outras palavras, que tem “função probatória” ou “testificante”.

Mas, note-se bem a qualificação dessa prova: o protesto prova a segurança jurídica, “de forma precisa e segura”, com “certeza”, “sem sombras de dúvida”, com “autenticidade” e de maneira “inconcussa e digna de fé”, e isso é assim porque o protesto é ato de “verificação solene”, “formal”, “oficial”, “notarial”, que traz a marca da “fé pública” ao ser realizado “perante ou por intermédio de serventuário”.

Por fim, ressalte-se que o protesto busca comprovar com segurança jurídica “situação cambiarias insatisfeitas”, isto é, “a não realização da promessa contida na letra”, o “inadimplemento de uma obrigação cambial”, em especial, o fato de que o título de crédito “não foi honrado no dia de seu vencimento” (protesto por fato de pagamento) ou “em se tratando de letra de câmbio ou de duplicata, que sequer foram aceitas pelo sacado ou suposto devedor” “.

Sugerem as noções doutrinárias a respeito do “Protesto”, que todas elas eram daquela forma defendidas, diante do entendimento da interpretação desse Instituto em face de sua previsão na lei cambial, a de n.º 2.044, de 1908, para os títulos de crédito, o qual posteriormente passou a ser extensivo também aos títulos cambiariformes.

II.II Existente na Lei n.º 9.492/97:

A nova legislação, deu a seguinte definição do protesto:

“Art. 1.º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.”

Sem sombra de dúvida, com a definição legal, o legislador contemplou as noções dada ao “Instituto do Protesto”, consagradas pela Doutrina em relação ao protesto cambial, porém, ampliando o seu alcance para atingir também os documentos de dívidas.

A rigor, embora fosse o “Protesto”, uma medida facultativa, colocada ao alcance do credor, pois que não é exigido, verbi gratia para que seja iniciada uma ação de execução, existindo apenas as hipóteses de exceção, onde o protesto é necessário, como por exemplo, para requerer a falência, (Dec.-lei n.º 7.661, de 21 de junho de 1945, arts. 10 e 11), a hipótese de contrato de câmbio (Lei n.º 4728, de 1965, art. 75), como também, quando tratar-se de exercício de ação regressiva (art. 13, parágrafo 4.º da Lei n.º 5.474, de 1968, etc…, agora, face à nova definição legal, esse instituto passa a ser necessário também à prova da inadimplência e do descumprimento de obrigação originada em outros documentos de dívida.

III – NOÇÕES E CONCEITUAÇÃO DE TÍTULO E DE DOCUMENTO DE DÍVIDA:

Não se encontra na doutrina, a definição de “Documento de dívida”. Para tanto, recorrendo às definições de PLÁCIDO E SILVA, de título, documento e de dívida, atrevemo-nos a conjuga- las ao final das transcrições do ilustre dicionarista jurídico, as quais vão abaixo citadas:

Diante mão, queremos ressaltar termos achado necessário que tais definições, embora longas e conhecidas de todos, fossem transcritas na integra e com a grafia da época, para sermos fieis ao texto do autor, como também, para que relembrando-as possamos encerrar o melhor entendimento da referida expressão.

III.I De título:

“TÍTULO. Do latim titulus (inscrição, marca, sinal), é a expressão que, mesmo na linguagem jurídica, é empregada em várias acepções. Assim título significa:

a) A causa, a origem, ou o fundamento jurídico de um direito. Nesse aspecto, pois, o título mostra-se o modo de transmissão, o fundamento da aquisição, ou a própria causa dos direitos: a título gratuíto, ou a título oneroso.

b) Extensiva, e objetivamente, designa o próprio escrito, ou o instrumento, em que se redigiu o ato jurídico, de que resulta, ou de que se deriva o próprio direito, e para que, por ele, se possam fazer valer os efeitos legais: título de propriedade, título de crédito.

c) A dignidade nobiliária: conde, barão duque.

d) Inscrição, ou denominação, dada à coisa, aos fatos, ou às instituições, a fim de que por ela se distingam entre si: título de um livro, título de contabilidade.

e) O diploma, o certificado, ou qualquer escrito, que ateste a colação de um grau, ou a investidura de funções: diploma de bacharel, diploma de nomeação, diploma de deputado.

III.II De documento:

DOCUMENTO. Do latim documentum, de docere (mostrar, indicar, instruir), na técnica jurídica entende-se o papel escrito, em que se mostra ou se indica a existência de um ato, de um fato, ou de um negócio.

Dessa maneira, numa acepção geral de papel escrito, ou mesmo fotografia, em que se demonstra a existência de alguma coisa escrita, o documento toma, na terminologia jurídica, uma infinidade de denominações, segundo a forma por que se apresenta, ou relativa à espécie, em que se constitui.

Em sentido próprio à linguagem forense, documento se diz a prova escrita oferecida em Juízo para demonstração do fato ou do direito alegado.

Nesta razão, para a prova que consta de documentos, diz-se prova documental, em oposição à prova testemunhal.

Assim se diz, então, que o documento é uma representação material destinada a reproduzir, com idoneidade, uma certa manifestação do pensamento, como se fora uma voz fixada permanentemente no papel escrito, que o indica.

Em relação à maneira porque o documento se produz, diz-se público ou particular.
E, conforme é representado em sua forma primitiva ou em reprodução dela, diz-se original, cópia, traslado, certidão, pública forma, extrato.

Embora seja o vocábulo instrumento tomado na mesma acepção de documento, há distinção entre eles.

O documento possui sentido geral abrangendo toda espécie de escrito ou papel escrito, seja simples carta missiva, recibo, fatura, como incluindo o próprio instrumento, que na verdade documento também documento é.

Mas o documento revela uma forma especial de escrito, em que se procurou realizar o ato ou firmar o contrato, em virtude do qual tem força exeqüível a obrigação, que nele fixou. É, assim, uma acepção muito própria do documento, em relação aos atos ou contratos jurídicos firmados entre pessoas e para criar relações jurídicas entre elas. É, pois, a prova material e literal da relação jurídica instituída entre duas ou mais pessoas decorrente de convenção ou contrato.

E o documento, em sentido muito mais amplo, abrange outras espécies de escrito, em que nem mesmo se cogita de estabelecer um contrato ou uma obrigação, embora possa vir a mostrar o fato, que tenha dependência com o que se quer mostrar.

III.II.I Documento autêntico:

Assim se diz de todo documento que venha revestido das formalidades legais ou das condições legais para que possa valer.

É, pois, o documento que atendeu às prescrições do direito, vindo devidamente assinado pela pessoa, que o podia assinar, devidamente testemunhado e com firma reconhecida, de modo que não possa ser argüido de improcedente. É, assim, quanto aos documentos particulares, pois que os públicos possuem originária autenticidade, conseqüente da forma por que são constituídos e passados.

A autenticidade do documento, pois, refere-se à sua veracidade, ou realidade, dele e de tudo quanto se contém no escrito, de modo que se possam dar como exatos os fatos e atos ali consignados, e emanados da pessoa apontada como autora dele, ou responsável por ele.

Os documentos autênticos fazem prova plena. Mas, podem ser contrariados desde que prova da mesma força ou de força superior os venha contradizer.

III.II.II Documento particular:

Assim se entende o que é escrito pela própria pessoa que o passou ou escreveu. É assim o que é feito, particularmente, sob assinatura das partes, sem a intervenção do serventuário público.

Para valer como instrumento, o documento particular ou privado, além de assinado pelas partes, deve ser subscrito por duas testemunhas, para que possa valer e provar igualmente as obrigações convencionais nele estabelecidas.

E se fará autêntico pelo reconhecimento das firmas dos signatários e das testemunhas.

III.II.III Documento público:

Entende-se como documento público todo ato escrito e passado por serventuário público, no livro de seu ofício ou cartório, ou em repartição pública, segundo as prescrições e formalidades legais, exigidas para sua autenticidade e legalidade.

Também tem o nome de escritura pública.

Os documentos públicos são por si mesmos considerados autênticos. E fazem prova plena, quando apresentados no original, traslado ou certidão. E quanto em cópia, extrato ou pública forma, somente se devidamente concertado, o que se faz com a presença das próprias partes interessadas, consistindo este concerto na conferência do original com a cópia.

III.III – Dívida:

DÍVIDA. Derivado do latim debitum, de debere, dever, ser devedor, genericamente quer significar tudo que se deve a alguém, ou todas as obrigações jurídicas, encaradas pelo seu lado passivo, ou consideradas como a prestação da coisa ou do fato, a que se está obrigado para com alguém.

Num sentido mais especial e estrito, dívida quer dizer toda quantia de dinheiro, que se deve a outrem.

Embora, a rigor, dívida entende-se toda obrigação cuja prestação é em dinheiro a ser cumprida pelo devedor, aplica-se no vocábulo para designar, também, o que é por haver da pessoa, quando, para o caso, melhor se diria crédito. Mas, distingui-las, dizem ser a primeira a dívida passiva e a segunda a dívida ativa.

Em regra, a dívida consta de documento, em que se funda a obrigação.

Mas, a dívida pode ser provada por testemunha, se a quantia, que representa, não excede o limite previsto na lei para a admissão da prova testemunhal.

O documento em que se firma a dívida, recebe, geralmente, o nome de título da dívida ou título de crédito.”

III.IV Noção subjetiva “DOCUMENTO DE DÍVIDA”

Desta forma, conjugadas as definições documento e de dívida, que interessam ao nosso assunto, poderia encerrar a noção jurídica de que o “documento de dívida”, seja público ou particular, é todo escrito que indicar, corporificar ou representar uma dívida de alguém para com outrem de uma quantia em dinheiro.

IV – DO PROTESTO NOTARIAL DOS DOCUMENTOS DE DÍVIDA DA LEI N.º
9.492/97

IV.I Abrangência sobre os “documentos de dívida” sem restrições:

Encontrada a definição jurídica de documento de dívida, no tempo presente, temos que pela nova legislação, estão sujeitos a protesto notarial, além dos títulos de crédito, também todos os outros documentos de dívida, firmados em observância das prescrições legais. Porque, se assim não o fosse, a nova legislação, ao regular o protesto notarial, não faria referência na maior parte de seus dispositivos a outros documentos de dívidas, restringindo-o, exclusivamente, aos títulos de crédito, assim denominados os cambiais e cambiariformes.

IV.II Força probatória da inadimplência e do descumprimento da obrigação:

Com efeito, diante da nova legislação, afigura-nos superadas as antigas concepções de ser o protesto facultativo ou necessário, que dependia da finalidade a que se destinava, face ao fato dela ter estabelecido, que pelo “se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”.

A conjunção e, do referido texto legal, serviu para ampliar a noção e finalidade do protesto notarial, de provar a inadimplência e o descumprimento da obrigação, relativa aos títulos de crédito, também para os outros documentos de dívidas.

IV.III Novo enfoque da doutrina após a Lei n.º 9.492/97

WALTER CENEVIVA, em “LEI DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES COMENTADA” (Lei n. 8.935/94), que inclui a Lei do Serviço de Protestos – n.º 9.492/97, Editora Saraiva, 2.ª edição, em relação aos artigos 1.º a 3.º, afirma com muita propriedade:

“O Capítulo I, composto pelos arts. 1.º a 3.º, confirma a natureza clássica do protesto de títulos, ao defini-lo, logo no início, como sendo o ato formal e solene destinado a provar a inadimplência e descumprimento de obrigação originada de títulos e outros documentos de dívida.

Ato formal e solene corresponde à atuação, sob responsabilidade do delegado, marcada pelo rigor e respeito aos procedimentos previstos em lei, para a exteriorização do inadimplemento do devedor. É o sentido em que cabe interpretar os dois adjetivos ligados pela conjunção aditiva e. Ambos podem, em certas circunstâncias, ser tidos como sinônimos, mas, considerando que a lei não comporta expressões inúteis, tem-se de submeter a eficácia do protesto ao respeito da forma legal, e, ainda, do anuncio explícito de terceiros, como pressuposto de sua validade e meio eficaz de prova.

O dispositivo faz menção a dois outros termos de significado semelhante: descumprimento e inadimplência. Tanto o primeiro como o segundo correspondem à não satisfação, pelo obrigado, do modo, do tempo e do lugar pelos quais se comprometeu. A lei os distinguiu, vinculando o primeiro (descumprimento) à obrigação de fazer ou de não fazer e o segundo (inadimplemento) à obrigação de pagar.

O protesto sempre e só tem origem em instrumento escrito no qual a dívida seja expressa e cuja existência se comprove com seu extrínseco, estranho aos elementos negociais que o integram, encontrados nas dezenas de título (referindo-se ao previsto nas leis comerciais ou processuais vigentes) ou outro documento, no qual a dívida não apenas seja caracterizada, mas de cuja verificação resulte a clara informação de seu descumprimento.” (O destaque é nosso).

CARLOS HENRIQUE ABRÃO, Na obra “DO PROTESTO”, editada em 1999, pela Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, tece os seguintes comentários que importam ao tema em tela, a saber:

“3.Função e efeitos do protesto.

Ao focalizar os documentos que podem ser alvo do protesto, desvencilhou-se o legislador da submissão a obrigação cambiária, eis que miltiformes relações decorrentes dos contratos pedem um ato formal e solene, que permita servir de instrumento de prova, ao momento da ação judicial.

A fé pública do serventuário que pratica o ato dentro das condições objetivas de legalidade, traz a legitimidade necessária à propositura da correspondente ação, sem desprezar o fato que divide o protesto na linha facultativa e obrigatória, querendo demonstrar que de sua feitura não sucede outra característica exceto de revigorar situação formalmente convencionadas entre as partes.

Surge o protesto para configurar uma determinada relação que não se aperfeiçoou do modo e da forma consensualmente pactuados, dentro de um paralelo temporário que registrará os elementos básicos, permanecendo inalterado até eventual pagamento, ou comprovação da inexistência do vínculo obrigacional.

4.Títulos e documentos protestáveis.

Enfeixado no aspecto da materialização da obrigação cambiária e naquela documental, surgem hipóteses disciplinadas pelo legislador, autorizadoras do protesto, relacionadas com os títulos de crédito em geral, alcançando os contratos e os instrumentos formatados nos escritos particulares ou públicos, atendidos os requisitos próprios no desempenho do vínculo inserido no contexto bilateral, ou unilateral dessas circunstâncias.

Regra comum que se aplica aos títulos em geral, regularmente constituídos. Onde estejam presentes os pressupostos das obrigações cambiárias, na espécie e com força suficiente a amparar execução.

Entretanto, pela multiplicidade desses títulos que alcançam um bom número, seria suficiente destacar os mais usados e a eficácia despontada do protesto, sob a ótica específica de sua finalidade.

Bem nesse caminho aparece com maior freqüência a duplicata mercantil, de prestação de serviços, os cheques, as notas promissórias, as letras de câmbio, as cédulas de crédito de forma em geral, industrial, comercial e agrícola, documentos cambiais e cambiariformes que representam as obrigações divisadas na responsabilidade incorporada ao título legalmente nascido.
. . .

De modo parelho todos os contratos que instrumentalizam reciprocidade obrigacional e determinam prazo de cumprimento, tornam-se passíveis de protesto, mas é bastante improvável a ocorrência, haja vista a caução que serve de base mapeada por cambial”

IV.IV Distinção entre os “documentos de dívida” e os “títulos de crédito”:

Como se vê, os títulos de crédito os considerados cambiais e cambiariformes, distinguem-se dos outros documentos de dívida, pela sua cartularidade e circulabilidade.

Os títulos de crédito circulam os documentos de dívida não. Na circulação dos títulos de crédito, é necessário o protesto para a comprovação da falta do aceite ou do pagamento, para direito de regresso. Já em relação aos documentos de dívida, que não circulam, ocorre a necessidade do protesto para comprovação do descumprimento da obrigação e da inadimplência, que constituirá o devedor em mora ou gerará a publicidade da inadimplência, que agora se comprova pelo protesto.

Assim, todos os instrumentos legalmente formalizados, que representem uma confissão de dívida, um contrato de dívida, um termo de responsabilidade ou de compromisso para pagamento de determinada importância que venha a ser apurada em decorrência da realização de um negócio, uma prestação vencida não representada por título de crédito, o aluguel vencido, as despesas condominiais, multas, etc., não têm a circulação inerente aos títulos de crédito.

Entretanto, vencidas e não pagas, essas obrigações se consubstanciam em dívidas, cuja inadimplência e descumprimento, agora, pela nova legislação, se comprova pelo protesto.

Pela legislação e acepções anteriores, somente cabia protesto aos títulos de crédito, facultativo ou necessário à execução ou ao requerimento da falência. Entendia-se, caber o protesto de documentos dívidas, por falta de pagamento, somente para fins falimentares, que preenchessem os requisitos da liquidez, certeza e exigibilidade, que estivessem incluídos dentre aqueles previstos no inciso II, do artigo 585, do CPC, não se admitindo o protesto para outro fim.

Destarte o antigo entendimento doutrinário, agora, diante do novo conceito e da finalidade estabelecida pela lei, pelo protesto notarial, se comprova o descumprimento da obrigação e a inadimplência de títulos e outros documentos de dívidas. Não há mais que se coibir o protesto por falta de pagamento, quando requerido pela parte, quando por ele se quer a comprovação desses fatos, principalmente em face da lei possibilitar essa faculdade ao credor no caso de falta de pagamento pelo devedor da referida dívida.

IV.V Do posicionamento da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo:

É certo que, mesmo após a edição da lei n.º 9.492/97, ainda com base nas antigas acepções e legislação anterior, a E. Corregedoria da Justiça do Estado de São Paulo, baixou parecer normativo, exarado nos autos CG N.º 2.374/97, de que, em princípio, não teria havido qualquer alteração em relação ao protesto de outros documentos de dívidas. (O destaque é nosso).

Ficou estabelecido naquele expediente, pela referida decisão, de que o protesto por falta de pagamento, como faculdade do credor, dependeria de expressa e específica previsão no ordenamento jurídico positivo, tal como ocorre com os títulos de crédito, assim entendidos as duplicatas de serviços e mercantil, as notas promissórias, letras de câmbio, cheques, etc. Tendo em vista que todos esses títulos contam com específica previsão legal para o protesto facultativo, por falta de pagamento.

Merece a nosso ver, para melhor entendimento da referida proibição, ser destacado o encerramento da referida decisão, cujo teor transcrevemos abaixo:

“Não basta portanto que a nova lei que regulou a atividade de protesto permita o protesto de outros documentos de dívida. Estes hão de contar com expressa e específica previsão normativa no direito positivo para que possam ser protestados por falta de pagamento. Sem que se encontra essa previsão referida, não basta a genérica permissão encontrada na Lei Federal 9.492/97 para que se permita o protesto de qualquer documento de dívida, até porque não se poderá definir na esfera desta Corregedoria Geral da Justiça, quais seriam, e quais não, os documentos de dívida passíveis de protesto.” (O destaque é nosso).

Em outra decisão da E. Corregedoria do Estado de São Paulo reforçou ainda mais aquele entendimento, exarada nos autos n.º 1.522/99, provocado pelo Banco do Brasil S/A, indagando da possibilidade do protesto da certidão de dívida ativa, quando o ato estiver previsto em lei municipal que assim o estabeleça, de cujos trechos que mais interessam à matéria vão abaixo transcritos:

“Ficou claro na ocasião daquele referido parecer normativo que o protesto de certidão de dívida ativa, ou de quaisquer outros documentos de dívida, dependeria de expressa previsão normativa no direito positivo, não cumprindo aqui discutir se essa previsão deve ser oriunda da esfera federal, estadual ou municipal. Apenas a ilegalidade ou inconstitucionalidades manifestas, que levassem o Administrador a optar pela aplicação de uma ou outra lei, ou mesmo entre lei e a Constituição, quando incompatíveis entre si, é que justificariam se reconhecesse inaplicável a disposição legal emanada da lei municipal, que autorizasse o protesto da certidão da dívida ativa do crédito tributário de sua competência.

São reiterados os precedentes desta Corregedoria Geral da Justiça e mesmo do Colendo Conselho Superior da Magistratura, no sentido de que não é de ser reconhecida, na esfera eminentemente administrativa, a inconstitucionalidade de lei, ou mesmo a ilegalidade de regulamento, quando tal não for absolutamente manifesto, que levasse o administrador a uma situação de escolha, de sorte que, para o cumprimento de determinada norma, forçosamente tivesse que descumprir outra, hierarquicamente superior.

Nesse sentido é a firme jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura (Apelações Cíveis CSM n.º 3.346-0, rel. Batalha de Camargo; CSM n.º 4.936-0, de São Paulo; e CSM n.º 20.392-0/0, da Comarca de Tupi Paulista).

Também esta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça tem sufragado o mesmo entendimento, conforme consta das várias decisões administrativas proferidas nessa direção (entre outros os Processos CG 274/93, DOJ 23/03/94, p.38/39 e CG 2.038/94).

Daí porque cabível, na espécie, já que há expressa previsão legal que o autoriza, o pretendido protesto da certidão da dívida ativa, referente a tributos municipais, uma vez que a legislação municipal pertinente regula a forma de cobrança administrativa dos referidos créditos e autoriza o ato notarial em tela.”

IV.VI Da postura e expectativa dos tabeliães de protesto de títulos de São Paulo:

Diante das R. decisões da Corregedoria Geral da Justiça, está claro que o protesto por falta de pagamento, como faculdade do credor, de outros documentos de dívidas, não está autorizado no estado de São Paulo, salvo nas hipóteses do protesto para fins falimentares e da certidão de dívida ativa quando a legislação municipal o autoriza, fato que, embora haja entendimento diverso, respeitosamente, vem sendo cumprido por todos tabeliães.

Entretanto, existe a expectativa dos que laboram na atividade e seus respectivos usuários, de que em breve possa haver uma revisão da referida decisão, favorável a que se permita o protesto dos referidos documentos de dívidas, face ao que foi salientado de que, em princípio, aquele era o entendimento da referida E. Corregedoria Geral da Justiça, diante da possibilidade que têm a administração de a qualquer momento rever os seus atos.

Mantém-se tal expectativa, principalmente, face a que nas referidas decisões não foi considerado a necessidade do protesto, mesmo que facultativa para o credor, à comprovação da inadimplência e do descumprimento da obrigação em relação aos referidos documentos de dívida. Bem como não foi considerado que, mesmo antes da referida lei, já se o protestava os referidos documentos, conforme retro salientado, para fins falimentares.

Por outro lado, não se considerou ainda nas referidas decisões, o disposto no artigo 960 do Código Civil, cuja constituição em mora do devedor, em caso de inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, não havendo prazo assinado, começa ela desde a interpelação, notificação, ou protesto.

IV.VII Efeitos do protesto do “documento de dívida” quanto à publicidade da
inadimplência:

Como se sabe, os documentos de dívidas, só têm validade se legalmente constituídos, e que a previsão do protesto conforme a finalidade prevista na referida Lei n.º 9.492/97, faz parte do direito positivo, que legalmente complementaria, ainda que prevalecesse tal entendimento, esse requisito.

Ademais, reforça ainda mais essa assertiva, a nítida preocupação que denota-se ter havido por parte do legislador quanto à degeneração e mal uso da divulgação dos inadimplentes ou descumpridores das obrigações, não somente em relação aos títulos, como também relativamente aos outros documentos de dívidas, sem que tenha havido, previamente, pelo menos a comprovação oficial, que se encerra pelo protesto notarial.

Ficou ainda mais clara e cristalina essa preocupação do legislador, que se constata logo no artigo 1.º da referida lei regulamentadora do protesto notarial, a qual se torna ainda mais contundente, quando cuida da publicidade do protesto no artigo 29 da referida lei, especialmente no § 2.º desse artigo, que continuou com a nova redação dada pela Medida provisória 1894-23, os quais merecem ser transcritos:

“Art. 29. Os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente.

Parágrafo 1.º O fornecimento da certidão será suspenso caso se desatenda ao disposto no caput ou se forneçam informações de protestos cancelados.

Parágrafo 2.º Dos cadastros ou bancos de dados, das entidades referidas no caput, somente serão prestadas informações restritivas de crédito oriundas de títulos ou documentos de dívidas regularmente protestados, cujos registros não forem cancelados. (O destaque é nosso).

Como se vê, dos artigo 1.º e do § 2.º do artigo 29, supra mencionado, está estampada a preocupação do legislador em estabelecer que somente a partir da publicidade, inerente ao ato notarial do protesto, pelo qual se prova a inadimplência ou do descumprimento da obrigação originada em títulos e ou outros documentos de dívidas, pode-se prestar divulgação ou informações restritivas de crédito, por parte das entidades que se destinam ao controle do crédito.

Com efeito, com o advento da nova legislação, deixou o protesto notarial de ter finalidade estritamente cambial, tendo sido ampliado o direito do credor de requerer o protesto também em relação aos outros documentos de dívida, pelo menos para comprovação da inadimplência e do descumprimento da obrigação por parte do devedor em relação ao não pagamento da dívida, conforme preceitua o artigo 1.º da referida lei.

V – CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Em conclusão, sem sombra de dúvida, é o protesto notarial um direito do credor, de vez que ele é que protesta o título ou o documento de dívida. Atender ao requerido pelo credor ou apresentante, qualificar o título ou documento de dívida, executar todos os procedimentos pertinentes ao ato notarial do protesto, não é direito do tabelião, é seu dever. Portanto, ao tabelião de protesto não cabe restringir o que a lei não restringiu, muito menos, restringir a aplicação da lei.

Pelo exposto, e em face de que os documentos de dívida devem obedecer às prescrições legais em relação às obrigações que representam; estar previsto no direito positivo o protesto notarial (Código Civil artigo 960, Lei n.º 9.492/97), respectivamente, como forma de constituição em mora do devedor e prova da inadimplência ou descumprimento da obrigação do devedor em relação a esses documentos; e por depender da publicidade da lavratura do protesto para que haja a divulgação ou informações restritivas de crédito pelas entidades que se destinam ao controle creditício; por ser o protesto notarial, um direito do credor e não do tabelião, a quem incumbe apenas o dever de cumprir esse mister, indubitavelmente, espera-se, haja rendição às evidências legais e doutrinárias, encerrando por aplicar o protesto notarial a todos os “documentos de dívida” dentro da abrangência prevista na referida Lei federal n.º 9.492/97, aliás, em relação aos quais já é aplicado esse “Instituto” para fins falimentares, além do protesto facultativo ou necessário, previsto para os comuns e conhecidos títulos de créditos.

Pela atenção, agradeço a todos, muito obrigado.

Claudio Marçal Freire
3.º Tabelião de Protesto de Títulos da Capital de São Paulo.
Membro Conselheiro do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos de São Paulo
Secretário Geral do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil
Diretor de Protesto da ANOREG-BR – Associação de Notários e Registradores do Brasil